domingo, 24 de agosto de 2014

Escrevi este texto como presente de aniversário para minha mãe quando ela completou 78 anos. Hoje, 24 de agosto de 2014, me preparo para a derradeira despedida. Ontem ela foi ao encontro da luz depois de meses de muita dor e sofrimento que ela aguentou, quase sempre, com um sorriso no rosto. Não queria morrer, fazia planos, queria andar e sair por aí.
Algumas horas antes de perder a consciência me pediu para que, quando saísse do hospital, fôssemos a uma loja de tecido para comprar um bem colorido com muitas flores para eu fazer uma blusa pra ela, me instituiu sua costureira oficial. Prometi que faria. Não pude cumprir a promessa.

(Para minha mãe)
Ela tem 78 anos. Nasceu Gercina e virou vovó GG.
Mulher forte corajosa teve uma vida de superações. Ainda criança, aos seis anos, viu sua mãe abandonar os três filhos com o pai na fazenda da família em busca de um destino melhor. Ela, a única mulher da casa, teve que assumir sua condição desde cedo e, subindo num banquinho para alcançar as pesadas panelas, cozinhava naquele enorme fogão à lenha.
Anos depois pode ver a mãe chegar, linda num vestido de bolas, para buscar os filhos para aquele que acreditava ser o destino melhor. Foi assim que ela foi morar na cidade em companhia dos irmãos, da mãe e daquele que seria seu querido, amado e lembrado “pai”, homem escolhido pela mãe e que acolheu cada filho dela como se dele fosse.
Estudou pouco, mas aprendeu muito. Habilidosa, ajudava nas despesas familiares bordando lindos vestidos, bordou também o seu belo vestido de noiva para casar com o companheiro escolhido. Um jovem dentista recém formado dono de um porte atlético e uma bela cabeleira que foi aos poucos caindo, fio a fio e o transformando num charmoso careca.
Mudou com o marido para longe da família e enfrentou com ele as dificuldades dos primeiros anos de casada cozinhando não mais em um grande fogão á lenha, mas num pequeno fogareiro de duas bocas.
Engravidou logo e, antes de completar um ano de casada, teve sua primeira filha chamou-a Elizabeth. Pouco mais de um ano depois chegava sua segunda filha que recebeu o nome de Lourdes em agradecimento á uma graça feita por Nossa Senhora de Lourdes que cuidou para que o bebê ficasse bem depois daquela queda que valeu a ela um braço quebrado na tentativa de proteger a barriga que carregava seu segundo bebê.
Daí pra frente não parou mais de parir. O marido, italiano fogoso, não perdoava e sempre que ela dizia, na hora do amor que já tinham muitos filhos, ele argumentava: _”Nóis bajeia” e iam em frente fazendo filhos, e vieram a Margareth, o Luciano, o Fernando e o Paulo. Ufa! Seis filhos.
Ainda Gercina, cuidava com carinho, atenção e dedicação de cada um e de todos, sempre mais envolvida com aquele que mais precisava dela sem, no entanto, descuidar dos outros.
Forte e corajosa enfrentava o marido quando ele, esquentado, chegava em casa nervoso e ameaçava bater nas crianças por qualquer motivo. Às vezes quando algum filho aprontava uma peripécia das grandes ela sempre tentava resolver ou, se tivesse que envolver o marido, dava um jeito de “esconder” as crianças até ele se acalmar.
Os filhos foram crescendo e os problemas aparecendo, um a um com cada um, e ela, sempre por perto, cuidava de tentar amenizar a situação atendendo os filhos e protegendo o marido de maiores aborrecimentos.
Vieram os primeiros netos e Gercina virou vovó GG e continuou cuidando agora não só dos filhos e do marido, mas também dos netos, não como substituta das mães, mas como avó, sempre presente nos momentos que filhas e noras precisavam dela.
Criou junto com o marido um patrimônio sólido e, quando chegava o tempo de descansar e curtir a vida com mais sossego, viu seu marido sofrer um AVC e sua vida virar de pernas pro ar.
GG, a eterna dona de casa que nunca tinha assinado um cheque, era agora responsável também pelo sustento da família e, com coragem e determinação arregaçou as mangas e foi fazer, agora para sustentar a família, aquilo que sempre fez por amor, virou padeira, fazia pães para vender e sustentar a casa que construíra junto com o marido que agora não podia mais estar á frente de tudo e ela trabalhou e cuidou e venceu.
Quando parecia que as coisas estavam melhores viu o marido deixar de enxergar e junto com a cegueira daquele homem forte, vigoroso, trabalhador veio, mais uma vez, a força da mulher cuidadora e ela cuidou, cuidou e cuidou. Foram quinze anos de cegueira até a escuridão total que aconteceu no dia que Gercina completava 72 anos e ela enfrentou com coragem e força aquele funesto presente de aniversário.
GG, 78 anos de amor, dedicação e cuidados. Aquela bela mulher que bordava vestidos e encantava estudantes de odontologia tornou-se uma bela senhora amadurecida pelos anos de luta e de luto.
Agora, como uma velha senhora que já teve seu tempo de cuidados e que poderia “aposentar” continua cuidando enquanto interrompe com gosto, para atender filhos e netos, as palavras cruzadas ou quebra-cabeças que são seus afazeres preferidos.
Continua lidando com linhas e agulhas, seja costurando, seja fazendo tricô ou crochê enquanto descansa das atividades domésticas que, apesar dos seus 78, ela faz com gosto. Gosto de feijão, o melhor que já comi , gosto de frango ensopado e de café com bolo de fubá que ela faz para receber os seis filhos e dezesseis netos.
Eu, por minha vez, aprendi muito com essa mulher. Aprendi e continuo aprendendo e torcendo para que, quando eu for avó, meus netos tenham o privilégio de ter uma biza e que eles a chamem de biza G, assim como meus filhos tiveram uma avó e a chamaram de vovó GG.

Lurdinha Danezy
09/05/2009

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