segunda-feira, 26 de abril de 2010

CARTA AO CONSELHO DE SAÚDE DO DF

Brasília, 18 de abril de 2010.

Prezados Senhores Conselheiros,

Venho por meio desta pedir esclarecimentos quanto à conduta do Conselho de Saúde em relação ao caos vivido pelo Hospital de Base de Brasília.
Há dois anos minha irmã é paciente da neurocirurgia do HDB. Já fez várias cirurgias, algumas delas conseguidas com a intervenção do Conselheiro Michel Platini, outras com a atuação da família buscando contato com a diretoria, chefes de equipe, além de pressionar o médico responsável, o ministério público e defensoria pública, para que as cirurgias fossem feitas. De modo geral as cirurgias só acontecem se o paciente tem um iminente risco de morte e se a família fica em cima. Caso contrário há sempre a desculpa de falta de salas no centro cirúrgico de anestesista.
Falta tudo no Hospital de Base.
Faltam médicos e enfermeiros suficientes para atender a quantidade de pacientes. Faltam compromisso e vontade dos médicos para atender os pacientes com o mínimo de humanidade (muitos médicos só falam com os pacientes e seus familiares mediante insistência, raramente aparecem e quando isso acontece, apenas olham os exames e pedem outros sem ao menos perguntar ao paciente como ele está se sentindo).
Fico no Hospital de Base como acompanhante e, enquanto cuido da minha irmã, acompanho o hospital ficar cada dia pior.
Falta quase tudo no Hospital de Base. Faltam aparelhos funcionando, de tomografia, de endoscopia, de esterilização. Falta esparadrapo, agulhas e luvas, falta lençol, fralda e água quente.
Os pacientes são obrigados a tomar banho de água e fria e se precisam de uma compressa de água quente o máximo que se consegue é uma água levemente morna. E, por falar em banho, faltam barras de apoio nos banheiros e, pacientes com dificuldade de locomoção e equilíbrio acabam caindo ensaboados no chão frio e sujo do banheiro do pronto-socorro.
Ainda faltam padioleiros, cadeiras de rodas e leitos. O Pronto Socorro lotado abriga pacientes em macas improvisadas e não é raro encontrar pacientes no chão.
Hoje no 3º andar tinham 03 enfermeiras para cada 07 pacientes e o 3º andar é o da neurocirurgia, das 21 pacientes apenas uma anda, as outras dependem das enfermeiras ou acompanhantes para comer, tomar banho, trocar fraldas além de outras necessidades.
Em nome do “conforto” a diretoria do Hospital resolveu mudar a entrada de visitas e acompanhantes para a portaria central, assim aqueles que andam de ônibus demoram cerca de vinte minutos para chegar da parada até a portaria e depois ainda são obrigados a andar uma distância considerável para alcançar o Pronto Socorro ou as enfermarias. A entrada do estacionamento foi fechada e o acompanhante ou visitante tem que atravessar o imenso estacionamento pelo lado de fora para passar na guarita sem nenhuma acessibilidade. E, quando consegue chegar á portaria ainda tem que enfrentar uma fila para identificação. Minha mãe com seus 79 anos não consegue visitar minha irmã por não ter condições de andar distância tão grande.
Mas não é só de faltas que vive o Hospital de Base. Temos também muitos excessos. Excessos de doentes, de problemas, de descaso, de desrespeito, de desumanidade, de humilhação, de jogo de empurra. Lá ninguém é responsável por nada, a culpa é sempre do outro.
E aqui fica a pergunta. Quem vai cuidar do caos que está o HDB?
Hoje o nosso hospital, que já foi referência, está agonizando e com ele todos os funcionários e pacientes.
Quem vai assumir a responsabilidade?Qual é o papel do Conselho de Saúde do DF nesta questão?

Lourdes Cabral Piantino em nome de Margareth Cabral Piantino paciente da neurocirurgia do HDB.

CARTA A UM AMIGO DA MARGARETH

Escrito em 11 de janeiro de 2010

Oi Rodrigo,

Estou escrevendo para pedir que visite a Margô.
Ela está com 70% do cerebelo lesado e seu cérebro tomado por água. Já
não fala coisa com coisa, mas tem falado muito em você. Pergunta se eu
gostei da fazenda do Digão, se eu fui à festa do Digão ou se eu recebi
o convite da comemoração dos 45 anos de casado do Digão, entre outros
tantos comentários sem sentido.
Não é difícil encontrá-la. Ela está internada no Pronto Socorro do
Hospital de Base posto 1, o da neurocirurgia. O leito da Margô fica no
último corredor á esquerda, fica bem ao lado da ala dos presidiários.
Para chegar lá você vai passar por todo o PS, basta seguir o primeiro
corredor com macas dos dois lados onde você poderá ver todo tipo de
gente doente acomodada do jeito que dá em leitos improvisados e em
condições muito precárias.
Você vai passar por homens, mulheres, crianças e idosos costurados,
enfaixados, baleados, esfaqueados, debilitados.
Alguns estarão vestindo apenas fraldas outros estarão com suas partes
íntimas expostas enquanto um familiar tenta fazer a higiene com o que
tem (quando tem), ou seja, água e papel toalha.
Passará também por pacientes deitados sobre colchões sem lençol uma
vez que a quantidade deles não é suficiente para todos. Verá leito
coberto com lençol sujo de sangue ou de urina daquele paciente que
não tem um acompanhante para cuidá-lo.
Cuidado para não tropeçar em copos plásticos ou lençóis sujos que
ficam pelo chão aguardando a moça da limpeza, ela passa uma vez por
dia e não recolhe o lençol por não ser sua função.
Verá ainda, acompanhantes que passam os dias e as noites sentados em
cadeiras tão raras que quando é sabido de uma alta todos ficam de olho
na tentativa de pegar a cadeira do que vai sair.
Nem pense em ir ao banheiro. Você pode dar de cara com um paciente nu,
deitado no chão do espaço destinado ao banho, que não tem sequer uma
porta, e, olhando com cuidado verá que a queda aconteceu por falta de
uma barra de apoio. Aconteceu com a Margô e foi muito difícil
conseguir um enfermeiro que pudesse ajudar a levantar os 90Kg dela e
colocá-la numa cadeira de plástico emprestada por uma boa alma que acompanhava um dos internos.
Não queira falar com o médico da Margô, você não vai encontrá-lo.
Desde que ela foi internada, ainda em 2009, dia 30 de dezembro, só
aparece por lá um residente que pede os exames, mas não pode fazer
nada, não tem autoridade para decidir sobre a condução do tratamento
dos pacientes.
Prepare-se. Aquele não é um lugar bom de se ver. Qualquer um que tenha
passado por lá consegue ter a clara idéia do que seja o inferno.
Alguns o chamam de Faixa de Gaza, a mim parece a sala de espera do inferno.
Mesmo assim, vá ver a Margô.

Abraços.

Lurdinha

SOBRE MINHA IRMÃ MARGARETH

Escrito em 11/9/2009



Internos da “Faixa de Gaza” do HDB pedem socorro

O nome dela é Margareth, tem 49 anos e está internada no pronto
socorro do Hospital de Base de Brasília aguardando o momento da
cirurgia, ao seu lado inúmeros pacientes na mesma situação.
É sua quarta internação pelo mesmo motivo, um acúmulo de líquido no
cérebro causado por malformação genética que se manifestou aos 48
anos. Da primeira vez, depois de vários dias internada no corredor pronto
socorro, a cirurgia foi feita e ela voltou pra casa bem. Meses depois
teve que retornar ao hospital para nova cirurgia, dessa vez foi
colocada uma válvula para drenar o líquido da cabeça para a barriga.
Dias depois começou a aparecer um grande caroço na barriga que foi só
aumentando. De volta ao hospital, de volta internada no corredor,
foram feitos vários exames e talvez por não saberem exatamente o que
fazer, os médicos a mandaram de volta para casa.
Agora ela está lá no mesmo corredor, apelidado pelos internos de
“Faixa de Gaza” aguardando há cinco dias o momento da cirurgia. Pela
manhã passa a enfermeira e diz que ela está de dieta zero para a
cirurgia, no final da tarde vem, junto com o jantar, a notícia de que
a cirurgia só acontecerá no dia seguinte, e, a cada dia, o ritual se
repete, jejum e promessa de cirurgia permanecem.
Enquanto Margareth está internada tendo como companhia apenas os
outros internos, sua mãe de 78 anos se consome de preocupação com a
eterna expectativa da cirurgia que nunca acontece e, enquanto o caroço
aumenta, aumentam também a ansiedade, a angustia, a tristeza e
principalmente a indignação.
E aí, nós cidadãos que pagamos impostos, perguntamos ás autoridades responsáveis pela saúde desta cidade:
Onde está o respeito pelos doentes?
Onde estão as condições necessárias para um bom atendimento?
Onde está a consideração com o indivíduo que é obrigado a entregar sua
vida nas mãos de profissionais pouco comprometidos com o outro?
O que fazer para termos um atendimento digno?
Enquanto as respostas não vêm as Margareths, Marias, Madalenas,
Paulos, Pedros e tantos outros ficam abandonados na “Faixa de Gaza”
torcendo para que a guerra de interesses pessoais dos políticos tenha
um fim.