SOBRE GENTES E LEIS por Lurdinha Danezy
Sou mãe e é como mãe que quero falar sobre o parecer 13 do CNE.
Para os que me conhecem peço que esqueçam dos anos que tenho de luta em defesa da pessoa com deficiência, pensem em mim apenas como a mãe do Lucio.
Lucio nasceu com síndrome de Down e desde então trabalho, todos os dias da minha vida, pelo desenvolvimento dele.
Quando ele nasceu eu não sabia nada sobre síndrome de Down, deficiência, preconceito, inclusão e exclusão, tratei de aprender, ou melhor, a vida tratou de me ensinar. Venho aprendendo nos últimos 14 anos mais do que aprendi minha vida inteira.
Aprendi, por exemplo, que quando você foge do padrão, quando você é gordo demais, baixo demais, magro demais, “feio” demais, pobre, negro, homossexual ou deficiente, você é discriminado e excluído do convívio dos que acreditam que são “normais”, melhores, mais bonitos, mais inteligentes, mais ricos.
A forma como a sociedade vai se conduzir, ou ser conduzida, acaba ficando nas mãos de uma minoria que detêm o poder.
Nós, a esmagadora maioria da população, ficamos a mercê dos “escolhidos” que criam e homologam leis à revelia dos interesses de cada segmento da sociedade.
Aprendi com a vida que não é o cobertor que nos esquenta, o conforto do aquecimento vem de nós mesmos, do nosso próprio calor, da nossa existência viva. O cobertor é apenas a ferramenta que precisamos para nos aquecer. Dependendo do frio precisamos de mais tempo e de mais energia para que o calor do nosso corpo minimize os efeitos do frio.
Dê-me um cobertor que eu me aquecerei.
Nessa perspectiva, as leis são o cobertor e os cidadãos precisam se organizar para usufruir desta ferramenta.
Em tempos de cobertores curtos tem sempre alguém que sente frio.
Em termos de igualdades sociais, vivemos num país de cobertores muito curtos.
Se as leis fossem rigorosamente cumpridas, como deveriam ser, não teríamos tanta miséria, falta de escolas e de educação, falta de saúde e de hospitais, falta de saneamento, urbanismo e acessibilidade, desemprego, violência, preconceito, descriminação e exclusão.
Somos nós e não as leis que construímos, com as nossas ações, uma sociedade justa, igualitária e inclusiva.
O que será que cada um de nós pais, mães e professores de pessoas com deficiência estamos fazendo realmente? O parecer n. 13 parece propor um aumento no cobertor, mas, com certeza, não garante o aquecimento.
O que eles sabem sobre o nosso frio? O que sabem sobre nós e nossos filhos? O que eu, mãe de um menino com síndrome de Down, sei da vida de uma família cujo filho tem comprometimentos múltiplos, não anda, não fala, não ouve, não come sozinho, baba e usa fraldas?
O que EU sei sobre o OUTRO, tão diferente de mim, para falar por ele?
As pessoas com deficiências graves sempre foram excluídas do convívio social, não freqüentam escolas regulares, não vão ao cinema, ao shopping, ao parquinho, à feira ou ao mercado. Algumas pessoas com deficiência passam uma vida inteira dentro de suas casas ou dentro de escolas especiais porque suas condições biológicas as impedem de freqüentar lugares e de conviver com pessoas que exigem uma estética e um comportamento padrão. Assim evitam o preconceito e a discriminação que às vezes se apresentam apenas com um olhar penalizado ou repulsivo.
Para os “fazedores” de leis, que também têm filhos, os nossos são só estatística, para nós são NOSSOS filhos, parte de nós que amamos, cuidamos, respeitamos e se for preciso, protegemos.
Será que TODOS os pais querem que seus filhos façam parte da geração de cobaias da exclusão dentro de escolas regulares que não oferecem - “as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos.”
Será que nossos teóricos e técnicos da educação sabem o que uma família e os profissionais que cuidam de pessoas com deficiências graves passam na tentativa de dar uma vida digna para elas num país de tantas desigualdades e de tanto preconceito?
O meu filho anda, fala, enxerga, ouve, vai ao banheiro e come sozinho, lê, escreve, sabe matemática, joga futebol, basquete, interage com todos, exprime seus sentimentos e vontades, não depende de ninguém, é artista plástico, vai e volta da escola sozinho em ônibus comum e sofreu preconceito e descriminação por parte de muitas pessoas em quase todas as escolas “inclusivas” que freqüentou, e olha que foram muitas.
A escola, de certa forma, acaba sendo apenas uma avaliadora, quando a criança entra na categoria de deficiente, as avaliações são, muitas vezes, baseadas no diagnóstico e não na capacidade dela. Prática comum nas escolas, primeiro vêem a deficiência depois fazem uma leitura errada da criança, leitura muitas vezes baseada no diagnóstico e no prognóstico imposto àquele que nasce com uma diferença biológica. A criança está, então, fadada ao fracasso.
Acredito que o parecer 13 é um avanço na construção de uma sociedade inclusiva e que a construção de uma sociedade inclusiva passa pela escola. É lá que nossos filhos devem passar a maior parte do tempo. Precisamos então colocar nossos filhos na escola e trabalhar para que as leis, já existentes e que garantem os direitos das pessoas com deficiência, sejam cumpridas.
Se não fizermos alguma coisa esta nova resolução será apenas mais uma lei, entre tantas, que garante o direito, impõe a obrigatoriedade e não dá as condições mínimas para a sua aplicabilidade.
Não podemos mais aceitar resoluções e pareceres enfiados goela abaixo sem uma discussão prévia com as pessoas diretamente interessadas, ou seja, os deficientes, os pais e os professores.
Não queremos apenas um cobertor maior, queremos o compromisso do governo com uma educação de qualidade para que tenhamos a tranqüilidade de deixar nossos filhos sob os seus cuidados. Sei que essa garantia também depende de nós.
Como defender uma ou outra escola?
Antes precisamos saber que escola queremos para nossos filhos.
Sabemos que este modelo de escola que nossos filhos estudam tem que ser revisto. Sabemos que neste modelo de escola, nossa tão sonhada inclusão, dificilmente acontecerá.
Enfim, acho perda de tempo ficar discutindo se um parecer deve ou não ser aprovado uma vez que sabemos muito bem que ele vai existir só no papel., como muitas outras leis que “protegem” as pessoas com deficiência.
Nossa luta deve ser pela qualidade das escolas inclusivas e pela oportunidade de uma educação digna, desde os primeiros dias de vida, para que todas as crianças tenham condições e oportunidade de freqüentarem escolas.
Nossa luta deve ser para que, num futuro próximo, escolas especiais sejam coisa do passado e nós possamos viver numa sociedade realmente inclusiva onde a diversidade seja a regra.
Queremos incluir ou apenas dar o acesso de deficientes nas escolas regulares? De quem é a responsabilidade?
Precisamos construir outras escolas, com outros modelos, escolas que respeitem a diversidade, que estejam abertas a todos e queiram formar cidadãos olhando cada um dentro do todo e não apenas o todo.
De maneira prática devemos atuar de forma exigir que as leis vigentes neste país passem de leis escritas e formalizadas a leis funcionais e transformadoras. Falo especificamente das leis de inclusão de pessoas com deficiência no ensino regular, de incluir não só na escola, mas na sociedade em geral, pessoas que nasceram com anomalias genéticas ou diferentes do padrão social, histórica e culturalmente definido como ideal; de respeitar e reconhecer as diferenças como um fato genético, social, cultural e histórico; de preparar pessoas para assumirem esta função nas escolas, nos hospitais e em qualquer lugar que estejam.
Estou falando de compreender que as pessoas com deficiência precisam de pessoas que acreditam que com dedicação, comprometimento e atitude é possível construir uma sociedade melhor.
Acredito que as pessoas com deficiência são competentes e capazes de participar das atividades sociais, estudar, trabalhar, conduzir a própria vida com independência e autonomia. Tenho certeza que para que isso aconteça é necessário que cada um de nós assuma o compromisso de criar condições necessárias para promovê-las como PESSOAS.
sábado, 8 de agosto de 2009
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Oi Lurdinha! Aqui é o Caio.
ResponderExcluirLurdinha,ficou muito bom seu blog principalmente sobre o tema aqui tão bem descrito por você, não só por sua experiência neste caso em específico, mas porque chacoalha a todos nós que achamos muitas vezes por não termos esse ou aquele problema estaremos livres de sermos sabotados, seja por aqueles que legislam ou por nós mesmos, hora por preguiça, por desinformação ou simplesmente porque não tem haver conosco.Um beijo Claudia e Guillermo www.theolierdesigner.blogspot.com
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