Sobre médicos e pacientes
Tenho 50 anos, já vi e ouvi muitas coisas na minha vida.
Estudei, fiz universidade, especialização, li centenas de livros, aprendi inclusive que o aprendizado é um processo lento, contínuo e ...eterno. Lembro-me sempre do meu pai, ele passou a vida dizendo, a cada novo conhecimento, a célebre frase “Vivendo e aprendendo” e pode constatar, minutos antes de morrer, concluindo sua aprendizagem com a derradeira frase: “morrendo e aprendendo”.
Mas a gente sempre pode ser surpreendida e ouvir coisas inimagináveis, revoltantes, e absurdas como a recente declaração de uma diretora técnica de um grande hospital privado da Capital Federal ao Correio Braziliense quando questionada sobre a superlotação das salas de espera e da longa demora no atendimento na rede particular de saúde.
A médica declarou que “a maior parte dos pacientes da emergência deveria procurar o ambulatório, mas quer ser atendida na hora.” E, para minha total perplexidade, ainda completou o absurdo afirmando que “quem não quiser ficar esperando precisa aprender a diferença entre emergência, urgência e ambulatório.” E, não satisfeita ainda explicou: “Emergência é quando o paciente tem risco de morte ou de sequela permanente caso não seja atendido naquele momento. Urgência é quando o atendimento deve ser rápido, mas não há risco de morte ou de sequela. Quem não se enquadra nesses casos, é paciente de ambulatório.”
Parece que agora, além de paciente - no sentido de resignado, conformado, aquele que espera serenamente um resultado - o usuário do sistema de saúde tem que ser sapiente - no sentido de ser conhecedor das coisas divinas e humanas – um sabedor da diferença entre emergência, urgência e ambulatório.
O que exatamente aquela médica quis dizer com tal declaração? O que ela realmente espera das pessoas que procuram um profissional da saúde, eu disse profissional, aquele que passou anos estudando sobre as doenças e como curá-las? O que ela sabe sobre a dor e o sofrimento de cada um que espera, pacientemente, por uma palavra, um cuidado, uma forma de aliviar aquele sintoma que o fez interromper suas atividades sejam de trabalho ou de prazer, para enfrentar as lotadas salas de espera de um hospital público ou privado? O que ela sabe do outro?
Gostaria que a tal médica pudesse explicar como um paciente pode saber, por conta própria, se aquela terrível dor de cabeça é uma “simples” enxaqueca ou um derrame ocular?
Aconteceu com uma amiga que já estava “acostumada” com os sintomas da enxaqueca e que, num sábado á noite enquanto secava os cabelos ao abrir os olhos viu um borrão preto e tudo ficar pulando e mudando de tamanho e, conhecendo os sintomas da enxaqueca achou melhor passar o final de semana em casa “descansando”. Ela não sabia se aquilo era urgência ou emergência, muito menos a diferença entre os dois e fez a opção pelo ambulatório. Na segunda-feira quando foi ao médico descobriu que aquilo tinha sido um derrame ocular.
Aí eu pergunto como minha amiga poderia saber a gravidade do acontecido? Quais conhecimentos são necessários para que uma pessoa comum que nunca frequentou a faculdade de medicina possa reconhecer a diferença entre um derrame ocular e uma enxaqueca?
Minha irmã também teve uma forte dor de cabeça e, sem saber se aquilo era uma emergência, urgência ou caso de ambulatório procurou o hospital e descobriu que aquela dor de cabeça era resultado de um aneurisma isso, obviamente, depois de ter sido examinada por vários médicos e de ter feito várias radiografias, exames e ressonâncias magnéticas,
Se o aneurisma da minha irmã tivesse acontecido algumas horas depois da publicação das explicações bastante claras daquela doutora talvez ela soubesse que a dor na sua cabeça era uma emergência, que ela teria risco de morte ou de sequela permanente caso não fosse atendida naquele momento e, quem sabe, detentora de tal conhecimento poderia ter poupado os médicos do trabalho de fazer o diagnóstico, e chegaria na emergência com um pedido de auto internação! Mas minha irmã nunca estudou medicina e se tivesse estudado talvez pudesse até saber, mas, na hora da dor e do desespero, com certeza não teria condições de agir por conta própria e iria procurar ajuda na emergência de um hospital.
Infelizmente a médica “educadora” não está sozinha quando responsabiliza os pacientes pelo caos nos hospitais. Segundo o jornal os outros hospitais também justificaram a demora no atendimento da emergência atribuindo parte da responsabilidade aos pacientes de ambulatório que procuram a emergência. Não satisfeita com tal explicação “a direção dos hospitais também cita o crescimento da população do DF e o aumento da demanda por saúde tanto por parte de moradores daqui quanto de cidades vizinhas.”
Será que além da população não poder crescer também não pode adoecer? Será que os grandes responsáveis pela situação caótica dos hospitais tanto públicos quanto privados somos nós, pobres mortais que além de nos atrevermos a nascer ainda ousamos ficar doentes?
Os absurdos da saúde não param por aí. Na tentativa de diminuir a demanda, o Sistema transforma a pediatria numa especialidade de segunda categoria e pela baixa remuneração cuida de manter os estudantes de medicina longe das crianças. Eles preferem especialidades mais rentáveis, aquelas que exigem exames complementares e aumentam os ganhos tantos dos médicos quanto dos hospitais.
Quem sabe, sem os cuidados pediátricos, as criancinhas doentes venham a morrer por falta de atendimento diminuindo assim a demanda de futuros adultos que insistam em procurar as emergências dos hospitais ignorando a diferença entre emergência, urgência e ambulatório Talvez deste modo o sistema de saúde possa finalmente ter condições de atender os poucos pacientes sapientes que, cientes das causas do seu mal saberão qual serviço de saúde procurar.
Meu pai tinha razão, mesmo que se tenha vivido muito há sempre o que aprender.
Lurdinha Danezy
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
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