quarta-feira, 26 de agosto de 2009

MÃE GERCINA, VOVÓ GG

Escrevi este texto como presente de aniversário para minha mãe quando ela completou 78 anos. Hoje, 24 de agosto de 2014, me preparo para a derradeira despedida. Ontem ela foi ao encontro da luz depois de meses de muita dor e sofrimento que ela aguentou quase sempre com um sorriso no rosto. Não queria morrer, fazia planos, queria andar e sair por aí.
Algumas horas antes de perder a consciência me pediu para que quando saísse do hospital fôssemos a uma loja de tecido para comprar um bem colorido com muitas flores para eu fazer uma blusa pra ela, me instituiu sua costureira oficial. Prometi que faria. Não pude cumprir a promessa.

(Para minha mãe)
Ela tem 78 anos. Nasceu Gercina e virou vovó GG.
Mulher forte corajosa teve uma vida de superações. Ainda criança, aos seis anos, viu sua mãe abandonar os três filhos com o pai na fazenda da família em busca de um destino melhor. Ela, a única mulher da casa, teve que assumir sua condição desde cedo e, subindo num banquinho para alcançar as pesadas panelas, cozinhava naquele enorme fogão à lenha.
Anos depois pode ver a mãe chegar, linda num vestido de bolas, para buscar os filhos para aquele que acreditava ser o destino melhor. Foi assim que ela foi morar na cidade em companhia dos irmãos, da mãe e daquele que seria seu querido, amado e lembrado “pai”, homem escolhido pela mãe e que acolheu cada filho dela como se dele fosse.
Estudou pouco, mas aprendeu muito. Habilidosa, ajudava nas despesas familiares bordando lindos vestidos, bordou também o seu belo vestido de noiva para casar com o companheiro escolhido. Um jovem dentista recém formado dono de um porte atlético e uma bela cabeleira que foi aos poucos caindo, fio a fio e o transformando num charmoso careca.
Mudou com o marido para longe da família e enfrentou com ele as dificuldades dos primeiros anos de casada cozinhando não mais em um grande fogão á lenha, mas num pequeno fogareiro de duas bocas.
Engravidou logo e, antes de completar um ano de casada, teve sua primeira filha chamou-a Elizabeth. Pouco mais de um ano depois chegava sua segunda filha que recebeu o nome de Lourdes em agradecimento á uma graça feita por Nossa Senhora de Lourdes que cuidou para que o bebê ficasse bem depois daquela queda que valeu a ela um braço quebrado na tentativa de proteger a barriga que carregava seu segundo bebê.
Daí pra frente não parou mais de parir. O marido, italiano fogoso, não perdoava e sempre que ela dizia, na hora do amor que já tinham muitos filhos, ele argumentava: _”Nóis bajeia” e iam em frente fazendo filhos, e vieram a Margareth, o Luciano, o Fernando e o Paulo. Ufa! Seis filhos.
Ainda Gercina, cuidava com carinho, atenção e dedicação de cada um e de todos, sempre mais envolvida com aquele que mais precisava dela sem, no entanto, descuidar dos outros.
Forte e corajosa enfrentava o marido quando ele, esquentado, chegava em casa nervoso e ameaçava bater nas crianças por qualquer motivo. Às vezes quando algum filho aprontava uma peripécia das grandes ela sempre tentava resolver ou, se tivesse que envolver o marido, dava um jeito de “esconder” as crianças até ele se acalmar.
Os filhos foram crescendo e os problemas aparecendo, um a um com cada um, e ela, sempre por perto, cuidava de tentar amenizar a situação atendendo os filhos e protegendo o marido de maiores aborrecimentos.
Vieram os primeiros netos e Gercina virou vovó GG e continuou cuidando agora não só dos filhos e do marido, mas também dos netos, não como substituta das mães, mas como avó, sempre presente nos momentos que filhas e noras precisavam dela.
Criou junto com o marido um patrimônio sólido e, quando chegava o tempo de descansar e curtir a vida com mais sossego, viu seu marido sofrer um AVC e sua vida virar de pernas pro ar.
GG, a eterna dona de casa que nunca tinha assinado um cheque, era agora responsável também pelo sustento da família e, com coragem e determinação arregaçou as mangas e foi fazer, agora para sustentar a família, aquilo que sempre fez por amor, virou padeira, fazia pães para vender e sustentar a casa que construíra junto com o marido que agora não podia mais estar á frente de tudo e ela trabalhou e cuidou e venceu.
Quando parecia que as coisas estavam melhores viu o marido deixar de enxergar e junto com a cegueira daquele homem forte, vigoroso, trabalhador veio, mais uma vez, a força da mulher cuidadora e ela cuidou, cuidou e cuidou. Foram quinze anos de cegueira até a escuridão total que aconteceu no dia que Gercina completava 72 anos e ela enfrentou com coragem e força aquele funesto presente de aniversário.
GG, 78 anos de amor, dedicação e cuidados. Aquela bela mulher que bordava vestidos e encantava estudantes de odontologia tornou-se uma bela senhora amadurecida pelos anos de luta e de luto.
Agora, como uma velha senhora que já teve seu tempo de cuidados e que poderia “aposentar” continua cuidando enquanto interrompe com gosto, para atender filhos e netos, as palavras cruzadas ou quebra-cabeças que são seus afazeres preferidos.
Continua lidando com linhas e agulhas, seja costurando, seja fazendo tricô ou crochê enquanto descansa das atividades domésticas que, apesar dos seus 78, ela faz com gosto. Gosto de feijão, o melhor que já comi , gosto de frango ensopado e de café com bolo de fubá que ela faz para receber os seis filhos e dezesseis netos.
Eu, por minha vez, aprendi muito com essa mulher. Aprendi e continuo aprendendo e torcendo para que, quando eu for avó, meus netos tenham o privilégio de ter uma biza e que eles a chamem de biza G, assim como meus filhos tiveram uma avó e a chamaram de vovó GG.

Lurdinha Danezy
09/05/2009

Um comentário:

  1. Olá Lurdinha, não sei o que me encanta mais nesse texto. A coragem da vovó GG, ou suas belas palavras poéticas fazendo com que os olhos do leitor brilhe.
    Parabéns para a Vovó GG, e a sua bela iniciativa de tocar as pessoas com as palavras.

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