quarta-feira, 12 de maio de 2010

PARA MARCELO ABREU

por Lurdinha Danezy

Aquele 05 de maio amanheceu mais claro, mais limpo, mais feliz.
A primeira coisa que fiz foi abrir o Correio Braziliense e buscar, ansiosa, a contra capa do caderno Cidades. Era lá que eu iria encontrar.
Quem ama Marcelo Abreu sabe disso.
Era o dia da abertura da exposição de Lucio no STJ, um dia aguardado com muita ansiedade e muita expectativa.
Era também o dia da publicação da matéria de Marcelo sobre a exposição “O menino que virou arte” e, como era de esperar, ficou bela, sincera e emocionante. Chorei como choro a cada conquista de Lucio.
“O melhor quadro de Lucio: ele mesmo” é tudo que uma mãe quer ler sobre seu filho.Com sua sensibilidade Marcelo Abreu soube, outra vez, enriquecer e valorizar o trabalho dele e o meu também.
Quando Lucio entrou na minha vida trouxe com ele pessoas especiais, muito especiais. Marcelo é uma dessas pessoas e, além de ser muito especial, torna nossa vida ainda mais especial.
Quando fala de nós nos dá uma dimensão maior, significa e resignifica nossa existência e nossa disposição para a vida, para o amor e para a crença de que sempre vale a pena trabalhar para o crescimento, nosso e do outro.
O melhor quadro de Lucio é ele mesmo e Marcelo pinta Lucio divinamente.
Quando fazemos um trabalho que consideramos importante, não só para nós, mas para outros que, como nós, precisam se afirmar a cada dia, queremos ver nosso esforço reconhecido. Marcelo Abreu nos dá essa possibilidade, apresenta-nos aos outros, seus leitores, com verdade, sensibilidade, beleza e emoção.
Marcelo mostra Lucio com o que ele tem de melhor, entende que o talento, a alegria, o entusiasmo e a competência são maiores do que sua condição biológica.
Mas não é só Lucio que ele percebe, Marcelo tem a rara capacidade de perceber o outro. Para ele cada pessoa é singular, preciosa e merecedora de ter sua história contada com respeito e sensibilidade.
Sem medo de errar, coloco-me como representante de seus leitores e ouso falar por eles: Obrigado Marcelo por tornar nossa vida mais rica. Obrigado por nos apresentar pessoas como o sábio Sr. Santil, como Suely a mãe que soube superar a dor da perda para tecer sonhos, por nos mostrar Stella escrevendo sobre o amor aos 79 anos. Obrigado por nos apresentar Alexandre, o rapaz dos ossos de vidro e a sua superação, por Guarany e suas árvores, por tatuar nossa alma com a história dos adolescentes que lutam contra o vírus da AIDS, contra o preconceito e pela vida, por nos fazer chorar com a história de Denise, Edílson, Ítalo e Kelvi à espera do milagre do óleo de Lorenzo e por tantos outros que nos emocionam com a história de suas vidas.
Marcelo percebe o outro na sua inteireza, dá ao outro o valor necessário e, nos mostra, a cada matéria, o caminho para nos tornarmos seres humanos melhores.
Fazer parte da vida de Marcelo, mesmo que por pouco tempo, é um prazer e um privilégio.
Quero aqui, humildemente, agradecer por ele existir na nossa vida.

Lucio e Lurdinha

sábado, 1 de maio de 2010

PARA MARGARETH

Brasília, 01 de maio de 2010.

Para Margareth

Margareth, filha de Gercina e José, a terceira entre seis irmãos.
Nasceu lindinha, loirinha e chorona.
Cresceu abusada, rebelde e desbocada.
Margareth não teve muitas coisas na vida.
Estudou pouco, nunca gostou de escola, não tinha vocação.
Trabalhou pouco, não tinha profissão.
Não casou e não teve filhos, foi uma opção.
Não teve casa, sempre morou na casa da mãe.
Não teve dinheiro nem as coisas que só o dinheiro pode comprar.
Margareth não teve muitas coisas na vida. Margareth teve o que todos gostariam de ter.
Margareth teve amigos e amores.
Os amigos foram muitos e todos fiéis, presentes e participativos da sua vida ao mesmo tempo sem nada, ao mesmo tempo com tudo.
Os amores foram poucos, fortes, intensos e duradouros.
Margareth gostava de comer, comeu muito. Gostava de beber, bebeu muito, gostava de fumar, fumou muito. Gostava de viver, viveu muito.
Agora Margareth morreu.
Não deixou nada, nada material ficou de Margareth.
Margareth morreu. Viveu apenas 50 anos, morreu oito dias depois do seu cinqüentenário.
Margareth deixou tudo, deixou a mãe, os irmãos, os amigos e seu último e mais precioso amor.
Margareth não teve nada e ao mesmo tempo teve tudo.
Margareth teve o mais amoroso, carinhoso, cuidadoso e fiel dos homens de sua vida ao seu lado até o último minuto dela.
Alexandre, grande “Cabão”, grande homem, grande amigo, grande coração. Total dedicação.
Margareth não teve nada e teve tudo.
Que descanse em paz.

Lurdinha

segunda-feira, 26 de abril de 2010

CARTA AO CONSELHO DE SAÚDE DO DF

Brasília, 18 de abril de 2010.

Prezados Senhores Conselheiros,

Venho por meio desta pedir esclarecimentos quanto à conduta do Conselho de Saúde em relação ao caos vivido pelo Hospital de Base de Brasília.
Há dois anos minha irmã é paciente da neurocirurgia do HDB. Já fez várias cirurgias, algumas delas conseguidas com a intervenção do Conselheiro Michel Platini, outras com a atuação da família buscando contato com a diretoria, chefes de equipe, além de pressionar o médico responsável, o ministério público e defensoria pública, para que as cirurgias fossem feitas. De modo geral as cirurgias só acontecem se o paciente tem um iminente risco de morte e se a família fica em cima. Caso contrário há sempre a desculpa de falta de salas no centro cirúrgico de anestesista.
Falta tudo no Hospital de Base.
Faltam médicos e enfermeiros suficientes para atender a quantidade de pacientes. Faltam compromisso e vontade dos médicos para atender os pacientes com o mínimo de humanidade (muitos médicos só falam com os pacientes e seus familiares mediante insistência, raramente aparecem e quando isso acontece, apenas olham os exames e pedem outros sem ao menos perguntar ao paciente como ele está se sentindo).
Fico no Hospital de Base como acompanhante e, enquanto cuido da minha irmã, acompanho o hospital ficar cada dia pior.
Falta quase tudo no Hospital de Base. Faltam aparelhos funcionando, de tomografia, de endoscopia, de esterilização. Falta esparadrapo, agulhas e luvas, falta lençol, fralda e água quente.
Os pacientes são obrigados a tomar banho de água e fria e se precisam de uma compressa de água quente o máximo que se consegue é uma água levemente morna. E, por falar em banho, faltam barras de apoio nos banheiros e, pacientes com dificuldade de locomoção e equilíbrio acabam caindo ensaboados no chão frio e sujo do banheiro do pronto-socorro.
Ainda faltam padioleiros, cadeiras de rodas e leitos. O Pronto Socorro lotado abriga pacientes em macas improvisadas e não é raro encontrar pacientes no chão.
Hoje no 3º andar tinham 03 enfermeiras para cada 07 pacientes e o 3º andar é o da neurocirurgia, das 21 pacientes apenas uma anda, as outras dependem das enfermeiras ou acompanhantes para comer, tomar banho, trocar fraldas além de outras necessidades.
Em nome do “conforto” a diretoria do Hospital resolveu mudar a entrada de visitas e acompanhantes para a portaria central, assim aqueles que andam de ônibus demoram cerca de vinte minutos para chegar da parada até a portaria e depois ainda são obrigados a andar uma distância considerável para alcançar o Pronto Socorro ou as enfermarias. A entrada do estacionamento foi fechada e o acompanhante ou visitante tem que atravessar o imenso estacionamento pelo lado de fora para passar na guarita sem nenhuma acessibilidade. E, quando consegue chegar á portaria ainda tem que enfrentar uma fila para identificação. Minha mãe com seus 79 anos não consegue visitar minha irmã por não ter condições de andar distância tão grande.
Mas não é só de faltas que vive o Hospital de Base. Temos também muitos excessos. Excessos de doentes, de problemas, de descaso, de desrespeito, de desumanidade, de humilhação, de jogo de empurra. Lá ninguém é responsável por nada, a culpa é sempre do outro.
E aqui fica a pergunta. Quem vai cuidar do caos que está o HDB?
Hoje o nosso hospital, que já foi referência, está agonizando e com ele todos os funcionários e pacientes.
Quem vai assumir a responsabilidade?Qual é o papel do Conselho de Saúde do DF nesta questão?

Lourdes Cabral Piantino em nome de Margareth Cabral Piantino paciente da neurocirurgia do HDB.

CARTA A UM AMIGO DA MARGARETH

Escrito em 11 de janeiro de 2010

Oi Rodrigo,

Estou escrevendo para pedir que visite a Margô.
Ela está com 70% do cerebelo lesado e seu cérebro tomado por água. Já
não fala coisa com coisa, mas tem falado muito em você. Pergunta se eu
gostei da fazenda do Digão, se eu fui à festa do Digão ou se eu recebi
o convite da comemoração dos 45 anos de casado do Digão, entre outros
tantos comentários sem sentido.
Não é difícil encontrá-la. Ela está internada no Pronto Socorro do
Hospital de Base posto 1, o da neurocirurgia. O leito da Margô fica no
último corredor á esquerda, fica bem ao lado da ala dos presidiários.
Para chegar lá você vai passar por todo o PS, basta seguir o primeiro
corredor com macas dos dois lados onde você poderá ver todo tipo de
gente doente acomodada do jeito que dá em leitos improvisados e em
condições muito precárias.
Você vai passar por homens, mulheres, crianças e idosos costurados,
enfaixados, baleados, esfaqueados, debilitados.
Alguns estarão vestindo apenas fraldas outros estarão com suas partes
íntimas expostas enquanto um familiar tenta fazer a higiene com o que
tem (quando tem), ou seja, água e papel toalha.
Passará também por pacientes deitados sobre colchões sem lençol uma
vez que a quantidade deles não é suficiente para todos. Verá leito
coberto com lençol sujo de sangue ou de urina daquele paciente que
não tem um acompanhante para cuidá-lo.
Cuidado para não tropeçar em copos plásticos ou lençóis sujos que
ficam pelo chão aguardando a moça da limpeza, ela passa uma vez por
dia e não recolhe o lençol por não ser sua função.
Verá ainda, acompanhantes que passam os dias e as noites sentados em
cadeiras tão raras que quando é sabido de uma alta todos ficam de olho
na tentativa de pegar a cadeira do que vai sair.
Nem pense em ir ao banheiro. Você pode dar de cara com um paciente nu,
deitado no chão do espaço destinado ao banho, que não tem sequer uma
porta, e, olhando com cuidado verá que a queda aconteceu por falta de
uma barra de apoio. Aconteceu com a Margô e foi muito difícil
conseguir um enfermeiro que pudesse ajudar a levantar os 90Kg dela e
colocá-la numa cadeira de plástico emprestada por uma boa alma que acompanhava um dos internos.
Não queira falar com o médico da Margô, você não vai encontrá-lo.
Desde que ela foi internada, ainda em 2009, dia 30 de dezembro, só
aparece por lá um residente que pede os exames, mas não pode fazer
nada, não tem autoridade para decidir sobre a condução do tratamento
dos pacientes.
Prepare-se. Aquele não é um lugar bom de se ver. Qualquer um que tenha
passado por lá consegue ter a clara idéia do que seja o inferno.
Alguns o chamam de Faixa de Gaza, a mim parece a sala de espera do inferno.
Mesmo assim, vá ver a Margô.

Abraços.

Lurdinha

SOBRE MINHA IRMÃ MARGARETH

Escrito em 11/9/2009



Internos da “Faixa de Gaza” do HDB pedem socorro

O nome dela é Margareth, tem 49 anos e está internada no pronto
socorro do Hospital de Base de Brasília aguardando o momento da
cirurgia, ao seu lado inúmeros pacientes na mesma situação.
É sua quarta internação pelo mesmo motivo, um acúmulo de líquido no
cérebro causado por malformação genética que se manifestou aos 48
anos. Da primeira vez, depois de vários dias internada no corredor pronto
socorro, a cirurgia foi feita e ela voltou pra casa bem. Meses depois
teve que retornar ao hospital para nova cirurgia, dessa vez foi
colocada uma válvula para drenar o líquido da cabeça para a barriga.
Dias depois começou a aparecer um grande caroço na barriga que foi só
aumentando. De volta ao hospital, de volta internada no corredor,
foram feitos vários exames e talvez por não saberem exatamente o que
fazer, os médicos a mandaram de volta para casa.
Agora ela está lá no mesmo corredor, apelidado pelos internos de
“Faixa de Gaza” aguardando há cinco dias o momento da cirurgia. Pela
manhã passa a enfermeira e diz que ela está de dieta zero para a
cirurgia, no final da tarde vem, junto com o jantar, a notícia de que
a cirurgia só acontecerá no dia seguinte, e, a cada dia, o ritual se
repete, jejum e promessa de cirurgia permanecem.
Enquanto Margareth está internada tendo como companhia apenas os
outros internos, sua mãe de 78 anos se consome de preocupação com a
eterna expectativa da cirurgia que nunca acontece e, enquanto o caroço
aumenta, aumentam também a ansiedade, a angustia, a tristeza e
principalmente a indignação.
E aí, nós cidadãos que pagamos impostos, perguntamos ás autoridades responsáveis pela saúde desta cidade:
Onde está o respeito pelos doentes?
Onde estão as condições necessárias para um bom atendimento?
Onde está a consideração com o indivíduo que é obrigado a entregar sua
vida nas mãos de profissionais pouco comprometidos com o outro?
O que fazer para termos um atendimento digno?
Enquanto as respostas não vêm as Margareths, Marias, Madalenas,
Paulos, Pedros e tantos outros ficam abandonados na “Faixa de Gaza”
torcendo para que a guerra de interesses pessoais dos políticos tenha
um fim.

segunda-feira, 15 de março de 2010

SETE ANOS SEM JOSÉ

por Lurdinha Danezy
Sete anos que você nos deixou.
Entendo... já era hora.
Não fazia sentido um homem como você passar por tudo aquilo... a degradação, a dor, a humilhação, a morte iminente.
Você não merecia viver aquela condição.
Entendo que você tenha ido, não queria a verdade da perda.
Aprendi muito com você, “veínho”. Aprendi tudo com você.
Aprendi a ser gente e a respeitar gente.
Aprendi a amar e cuidar, não aquele cuidar de mimos, você nunca foi muito disso. Aprendi o cuidar para a vida, para o enfrentamento... sem arrependimentos.
Com você pai, aprendi a importância de lutar por um mundo melhor, a crença de isso era possível e a necessidade de trabalhar por uma sociedade mais justa e igualitária.
Com você aprendi a ver Deus, não pelo ângulo das religiões, mas ver Deus por tudo o que Ele tem de humano, de justo e de bom.
Aprendi muitas outras coisas. Aprendi a pescar, a respeitar o peixe e a dividi-lo com os outros, a caçar e respeitar a caça, a plantar e aguardar com tranqüilidade a hora da colheita.
Aprendi a dirigir carro e vida, ambos com os cuidados necessários para evitar grandes acidentes.
Aprendi a trabalhar sem me preocupar com os lucros, trabalhar pelo trabalho em si e pelo retorno de vida que ele nos dá.
Para você o dinheiro era um meio e não um fim. Pensamento dos que escolhem vida cheia de riquezas e não de dinheiro.
Sinto sua falta. Sinto sua falta todos os dias da minha vida.
Sinto falto do seu conhecimento, da sua sensibilidade, do seu jeito de contar histórias, da sua sabedoria.
Sinto falta das suas mãos macias, as mais macias que jamais vi, acariciando meu rosto ou minhas mãos.
Sinto falta das nossas conversas diárias ao telefone. Gostava mais de conversar com você ao telefone, parece que o distanciamento aumentava a aproximação e era bom.
Sinto sua falta ao mesmo tempo em que sinto a completude da sua presença em mim. Presença nos meus gestos, nos meus atos, na minha fala e nas minhas crenças.
Agradeço o tempo que você ficou na minha vida e agradeço a vida que tem você o tempo todo.
Você se foi, já era hora. Aquele corpo já não comportava pessoa tão grande.
O corpo se foi, a sua presença diária nas nossas vidas continua.
Obrigada PAI.